Preciso falar, vó...


Oi vó, eu sei que parece bobo escrever agora mas sobre a senhora tenho tanta coisa pra falar, imagina só quanta coisa a senhora não viveu desde 1923. Viu guerras quentes e frias, quedas da bolsa, a evolução feminina, Elvis Presley, The Beatles, as modas de viola o Vasco ganhar e perder muitos jogos.
Preciso reforçar que não há uma ordem cronológica correta nas minhas lembranças, mas que elas são muito boas , ah isso são, afinal 27 anos sabendo que a senhora estava ali na sua casa maravilhosa cuidando e zelando por todos nós foi realmente sensacional.
Fico pensando em todas as vezes que passava pela sala e te olhava sorrindo e dizia "oi, vó!" e você sorria imediatamente para mim, de fato, a melhor lembrança de todas, seu sorriso.
Lembro também de quando a senhora comentava sobre uma briga entre os irmãos, na cozinha enquanto comíamos um lanchinho e me disse: "escuta filha, essas picuinhas e brigas entre irmãos não levam a nada, é besteira, irmão não é pra isso o que mais importa é a família", nunca me esqueci e isso só reforçou esse meu valor familiar de nos mantermos unidos e principalmente sempre contando um com o outro.
Lembro também de quando me contou serenamente sobre como foi difícil perder seu irmão, seu marido, sua filha e outros entes queridos e como os comparou a uma cadeira em que eram seu encosto, seu apoio e assento, fez todo o sentido para mim essa analogia improvisada na mesa da sala de estar. Foi difícil te ouvir dizer com os olhos cheios de lágrimas mas foi muito bom ouvir da senhora aquelas palavras, e por demonstrar que contava comigo para o desabafo.
Lembro quando chegava em sua casa e a senhora estava ou fazendo o programa na rádio sobre São Francisco de Assis ou então estava presidindo mais um evento do Clube do Vovô, ou então já chamava para ajudar fazer os saquinhos de doces de boas festas ou os pacotes de brinquedos da criançada carente para a véspera de natal. Que vó a senhora foi, além de lembrar neto por neto em todas as ocasiões (e haja neto!) ainda lembrava de todas as pessoas queridas que conviviam em sua comunidade, nunca negando uma ajuda ou um prato de comida. Que admiração, que orgulho da senhora, que prazer ser da sua família.
Isso quando não chegava e a senhora estava a esperar com uma panelada de doce de leite, ou geleia de goiaba colhida do pé plantado no quintal perto da churrasqueira, em que eu, minhas irmãs e primos cansamos de subir e quase matar todo mundo do coração a cada queda de lá de cima, entre outras travessuras que só foram possíveis nas férias de verão/inverno pela vontade de visitá-la.
O carinho com as plantas, os enfeites de natal, as guirlandas de bombons penduradas na sala durante a Páscoa e tudo isso que se tornou tradição familiar, graças a senhora  que sempre cuidava de cada detalhe, e mesmo quando não conseguia mais fazer por conta própria nunca faltou uma mão para te ajudar, como era querida!.
Não é fácil dizer adeus, preciso confessar que foi uma experiência muito dolorosa, talvez a mais dolorosa até hoje na minha vida. Mas mais do que chorar a morte, decidi celebrar sua vida contando uma parte do que sei para todo mundo, assim todo mundo perceberá a ótima pessoa que era.
E como foi linda sua vida, completa, recheada de pessoas que te amavam e admiravam e foi uma pessoa tão espetacular que mesmo após a morte conseguiu surpreender os filhos ao descobrirem quantas pessoas a senhora ajudou durante sua jornada e são gratas até hoje, e surpreendendo a todos ao não pedir flores no velório e sim cesta básica, porque pensar nos outros sempre foi sua premissa.
Vó, mesmo que agora algumas lágrimas estejam caindo dos meus olhos, eu agradeço a Deus pela sua vida, e pela oportunidade de ter feito, mesmo que um pouco, parte da sua grande história. Obrigada por tudo que fez por nós todos, pelas puxadas de orelha, pelos conselhos , pelas frases que faziam pensar, pelas orações. Não sei como será daqui para frente, mas sei que de hoje em diante será tudo diferente. Te amo vó, sua vida foi linda e deixou um legado grandioso e muito valioso que é sua família e seus valores de união, fé e amor. Até mais vovó.

Em memória de:
Maria da Glória Eiras Henriques

08/09/1923 - 30/05/2017

Comentários

José Roberto Eiras Henriques disse…
Oi filha, que bela mensagem retratando a importância de sua avó em sua vida. Como você, também me surpreendi, pelos testemunhos de amigos de sua importância para a vida fé cada, sua vocação franciscana de auxílio o próximo, motivo orgulho para nós! Que consigamos manter e transmitir e pratcar esses valores que nos legou sua maior herança para seus filhos,netos e bisnetos. Hoje ela se encontra com papai com que constituiu essa família maravilhosa de que todos nós orgulhamos.Saudades!